Somos todos porquês que conhecem outros porquês
A série 13 reasons why, produção original da Netflix, cuja primeira temporada foi lançada no ano passado, 2017, acaba de receber a tão esperada segunda temporada, alvo de muitas críticas, tanto negativas quanto positivas. No entanto, isto é conteúdo para outro dia. O que importa hoje é a linha de reflexão inegável que a série nos conduz a pensar, fato bem visível nas duas temporadas.
Quando assisti 13 reasons why pela primeira vez, o sentimento primário totalmente humano que me acometeu foi o de vitimização. A vitimização, em todos os seus níveis, é uma droga. Não há nada que possa tornar mais suave ou aceitável; ninguém gosta de vitimistas, eles são nada mais do que irritantes. Entretanto, todos somos vitimistas em certos aspectos e situações. É um defeito de fábrica que precisamos lutar contra diariamente. Enfim, o primeiro sentimento que presenciei foi a vitimização, porque é o sentimento mais fácil. Todos já passamos por coisas ruins e ainda vamos passar por mais coisas ruins; isso é a vida. E quando assisti os treze episódios desta série, tive muitas lembranças desagradáveis.
Enxerguei certos traços da Hannah na minha própria personalidade e vida que não gostaria de ter visto. Além disso, descobri que também tenho meus porquês. As pessoas também foram maldosas comigo. Eu também já me perguntei se ainda existia alguma coisa — qualquer coisa — que valia a pena. Não me entenda mal, não é como se eu estivesse perto de me matar, mas todos aqui (supostamente) sabemos que o bullying é uma droga, e particularmente posso definir meus anos do ensino fundamental como completa tortura psicológica, uma categoria inserida dentro do bullying. Resumidamente, não tenho boas lembranças, e esta produção despertou o que havia de pior guardado no meu peito.
Enfim, tudo isso é uma merda. Mas é vitimismo. Nada apaga a dor que senti, mas sou a única capaz de mudar a reação para essa ação. Me machucaram, e isso é errado, mas não posso passar o resto da minha vida sofrendo por uma dor que já foi embora, afinal, sou eu que controlo meus pensamentos e decido o andamento da minha própria vida. Com isso em mente, não gastei muito tempo culpando o mundo, e logo fui induzida para uma linha de pensamento um bocado mais sensata, que talvez todos devessemos ter, por vezes.
Ao invés de colocar sua vida numa perspectiva infantil, onde você é o mocinho e todos aqueles que atrapalham suas ações de alguma forma ou lhe infligem algum meio de sofrimento são os vilões, experimente esquecer todos esses papéis estúpidos. Isso mesmo, você não é mais o mocinho da sua própria história, e confie em mim, é para o seu bem; pode ser bastante esclarecedor. Agora comece a analisar tudo sob uma perspectiva diferente; coloque-se em terceira pessoa e reveja todas as suas atitudes. Se você estivesse assistindo um filme ou lendo um livro cujo protagonista tem sua personalidade, vida e toma todas as suas atitudes, o que você sentiria por este personagem? O quão certo e inocente ele é na história?
Bem, se respondeu que este personagem é perfeito e totalmente distante de erros, talvez este texto não seja para você. Na verdade, meu conselho é que reveja suas atitudes e a forma como enxerga os outros. Odeio dizer isso, mas talvez o seu egoísmo esteja te cegando. Afinal, é necessário ser muito egoísta para ser capaz de enxergar apenas sua própria versão dos fatos. Está na hora de praticar um pouquinho de empatia!
Mas se você conseguiu ver pelo menos uma falha do seu caráter, parabéns, este é o começo de uma jornada de evolução! Porque é assim que as coisas devem funcionar; precisamos enxergar nossos próprios erros e aprender a ser seres humanos melhores. Por mais que ver os próprios defeitos seja tão contra nossa natureza. Precisamos engolir o orgulho e admitir que não somos sempre vítimas, também podemos nos identificar como porquês, e até certo ponto, não há nada de errado nisso.
A mente humana tem um funcionamento engraçado, que de certa forma, justifica as coisas (e quando digo justificar, não significa insentar ninguém de culpa por suas atitudes, é só ciência explicando nossa mente). Quando reconheci essa questão de que somos todos porquês, a dúvida que me restou foi "Por quê?", afinal, por que nos tornamos porquês? Pergunta feita, logo me lembrei de um experimento psicológico que havia lido sobre, chamado O efeito Lúcifer, realizado pelo psicólogo, sociólogo e antropólogo Philip Zimbardo.
Resumidamente, este experimento se deu no Estudo da prisão de Stanford, onde 24 voluntários saudáveis foram escolhidos para participar, dividos em guardas e prisioneiros de forma aleatória e colocados em uma prisão montada na universidade Stanford, e logo em seguida induzidos a agir como seus respectivos papéis. No final, observou-se que os voluntários acabaram profundamente abalados de diversos modos pelos fatores externos; aqueles colocados como prisioneiros se esqueceram totalmente de suas posições voluntárias e começaram a agir de forma submissa, como prisioneiros que cometeram crimes reais; enquanto aqueles que foram designados guardas passaram a agir de forma cruel com aqueles que estavam supostamente sob suas responsabilidades. Em suma, o experimento mostrou a influência de fatores externos e do poder dado ao ser humano em suas atitudes.
De forma mais clara, quando somos inseridos em situações de suposto poder sobre os outros, nos esquecemos de nossos princípios e nos tornamos capazes de tomar atitudes que consideramos terríveis. O controle sobre alguém nos encaminha a despersonalizar esta pessoa e esquecer de seus sentimentos, de modo que somos maldosos de forma quase que inconsciente. O que significa que todos temos dois lados dentro de nós mesmos, que são despertados nas mais diversas situações. Então, dizer "eu sou a vítima e nunca faria nada parecido" é hipócrita, pois tendo o mesmo poder em suas mãos, você muito provavelmente também seria um porquê. Na verdade, já foi, só não se deu conta disso ainda.
Todavia, nem todos os estudos do mundo justificam a maldade humana consciente e voluntária. Precisamos nos dispor a entender que essas coisas acontecem e são uma droga, então, a partir deste entendimento, nos dedicar a melhorar e evitar que se repitam todos os dias de nossas vidas. Afinal, quando você sofre algum mal e decide não fazer o mesmo com outra pessoa, você interrompe o ciclo de maldades desumano (que gira esse mundo todo e em algum momento retorna a você mesmo) e sua vida se torna um exemplo para as pessoas, que também decidem interromper o ciclo. E assim, esperançosamente, apesar de sermos todos porquês que conhecem outros porquês, o mundo pode vir a se tornar um lugar melhor.
Fonte: O efeito Lúcifer: como pessoas boas se tornam más, Philip Zimbardo.
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